quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O desenho da criança no período simbólico de 2 a 4 anos de idade




       A função semiótica é responsável pela forma como vemos, interpretamos e vivenciamos o mundo. A partir dela (da semiótica) surge a linguagem, o desenho, a imitação, a dramatização. Quando os objetos não estão presentes, a criança pode simbolizar e imaginar. As fantasias iniciam sua importância e a criança mergulha em um mundo de faz de contas, de jogos de brincar, de simbolismos. Ela gosta de contos de fadas, e mais importante ainda, ela precisa deles para compor seu mundo. Sua curiosidade natural utilizará do "faz de conta" para que ela tenha coragem de conhecer o que não sabe. O brincar de faz de conta é brincar de viver, que para a criança é de fato viver. Ao desenhar, desenhará a forma como vê o mundo.

             O animismo tem seu lugar e a  criança dá voz e vida a objetos inanimados. Sua fala apesar de parecer ter vínculo social, não responde, mas apenas ecoa o "si mesmo". A criança pode ser vista como uma egocêntrica socializada. Tudo gira em torno dela. Por isso a composição do círculo tem tanta relevância. Em  sua história, ela divide sua visão de mundo com o mundo que a cerca. Tudo tem vida...vida sua! Tudo tem voz...voz sua! Tudo deseja...desejo seu. Um fase "esquizoide", tendo em vista que sua voz é vista como "outro", sendo ela e o outro ainda em simbiose lutando para se dividir. Desenhar o outro é desenhar a si mesmo!

              As coisas passam a ter nomes. Dar nome é uma forma de dominar o objeto. É a fase do "nominalismo". Mesmo sem saber o nome, ela "inventa". Ao desenhar, escrever, nomina o que fez, fala sobre sua origem, identifica. O desenho se prende ao real, ao que sente, à forma como vê e não ao que vê de fato.


                Por isso, o  desenho dessas crianças estão carregados de simbolismo. A Semiótica, o animismo e o nominalismo podem ser observado em uma criança desenhando, pois ao desenhar desenha a forma como vê o mundo e não o mundo em si.  Dá voz a este mundo, mas não a voz de outro, mas a de si mesma e nomeia seu desenho, não com o nome dado, mas o que "inventa" a partir de si. Crescer para a criança é um processo de amadurecimento de si mesmo para fora.

        O desenho inicia dos dois aos sete , quando têm quase sua completude. Nessa fase, para Piaget,  a criança se encontra no Período Pré-operatório. Emerge-se a LINGUAGEM que se compõe da SEMIÓTICA, do ANIMISMO  e do NOMINALISMO. Tudo agregado de um EGOCENTRISMO INFANTIL, tornando a criança ensimesmada e construindo sua linguagem a partir de si mesma. 

         A criança fala por meio do desenho. Cada traço é um grafismo que expressa: as cores informam o humor, os sentimentos; o tamanho expressa a relevância; a posição mostra de quem se sente próxima ou deseja se aproximar; os traços revelam a intensidade como vivencia o momento em que cristaliza sua linguagem: O desenho é uma proto linguagem.

            Abaixo apresento desenhos colhidos por alunos curso de análise do desenho infantil. A Temática para as crianças de 2 a 4 anos é livre. Os desenhos expressam a maturidade da criança,  seu momento emocional e a forma como vêem o mundo. Contempla-los é ouvir sua visão de mundo: desvendar o mistério de microcosmos.

































             
Por Orlando Marçal Júnior











terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os estágios do desenho da criança


Trabalhar com o desenho infantil é apaixonante tendo em vista que o material agregado pretende ser a expressão, senão projeção do analisando. Muitos teóricos buscam conhecer melhor a criança a partir do desenho. Porém, precisamos saber o que queremos com a análise e interpretação do desenho. 

Teóricos como Georges-Henri Luquet entendem o desenho como uma busca da realidade. A perpectiva pela qual Luquet percebe o desenho não faz justiça ao conteúdo projetivo e psicodinâmico nele contido. Apesar de primoroso e inteligente, Luquet objetiva o desenho como um processo em que o indivíduo constrói o real em sua mente. Vejamos como ele fala sobre o desenho: 

“Todo desenho é a tradução gráfica da imagem visual que forneça o motivo apresentado  e,  acreditamos,  de  uma  imagem  visual  mais  ou  menos  nítida realmente presente no espírito do desenhista no momento que ele desenha, o que nós  denominamos modelo interno. Qualquer  que  seja  o  ponto  de vista  subjetivo, do ponto de vista objetivo o desenho é incontestavelmente a tradução gráfica dos caracteres  visuais  do  objeto  representado;  isto  é,  tomando  emprestado  dos estudiosos da lógica o termo “compreensão” pelo qual eles designam o conjunto de  caracteres  de  um  objeto,  o  desenho  de  um motivo  pode  ser  definido  como  a tradução gráfica da compreensão visual desse motivo. (...) Nós acreditamos que a preocupação da criança frente a cada um de  seus desenhos é de o fazer exprimir de um  modo  bem  exato,  bem  completo,  pode-se  dizer  o  mais  literal  possível,  a compreensão  visual  do  objeto  que  ele  representa.  Nenhum  nome  nos  parece exprimir  melhor  essa  característica  que realismo,  e  nós  diremos  que  o  desenho infantil é essencialmente e voluntariamente realista.” (Luquet, 1913, p.145)"


No entanto, nossa busca pelo desenho será sob a ótica de Marthe Berson onde o desenho que se busca é aquele que representa, sem vínculo com a comunicação. Na psicanálise a busca do analista não é aquilo que se vê ou se pretende, mas aquilo que por necessidade do inconsciente se mostra. Nessa perspectiva o desenho, apesar de parecer com algo, podendo representar aquilo que não se vê, mas do qual se fala. Para isso, a forma como Berson vê o paralelismo  e o continuísmo das fases do desenho tem relevância na análise. Dessa forma, vejamos  como evolui na criança e marca a projeção do homem:

O Estágio dos Rabiscos

O desenho nasce na fase em que a criança se percebe como ser que pode produzir, extrojetar - a fase anal. Isso ocorre a partir dos 18 meses de vida. Nesse estágio, o traçado é mais ou menos arredondado, conexo ou alongado e o lápis não sai da folha formando turbilhões. A criança desenha círculos. 

Aos dezoito meses, mais ou menos, apresenta-se o Estágio Vegetativo Motor, o qual consiste na produção de riscos com o formato quase “arredondado, convexo ou alongado” (MÈREDIEU, 2006, p.25), sem tirar o lápis do papel. 






A forma não traz significado e a busca deve ser na tonicidade do traço. Partindo do pressuposto de que o papel é o que é dado à criança, por meio de seus rabiscos pode se perceber a força que exprime em sua vida.

Sobre essa fase, Méredieu chama atenção para a importância do período marcado pela presença dos rabiscos nas produções das crianças. Para ela, esses representam uma  etapa fundamental da maturação sensório-motora do indivíduo.   



Estágio dos desenhos representativo:

A criança avança e dominando o lápis, passa a não se mais guiada pelos espasmos musculares, mas começa a escolher o local onde desenha. Sem abandonar os rabiscos, que sempre terão seu lugar em sua expressão, aos três anos começa a significar seus desenhos. Os movimentos ficam mais lentos, a criança começa a tirar o lápis do papel. Seus círculos começa a contar história. A criança desenha o que sente e não o que vê. Seus desenhos começam a ser nomeados. Entre dois e três anos são caracterizados pelo aparecimento de formas isoladas, o traço passa do contínuo para o descontínuo. Ela comenta sua produção.






Estágio dos desenhos comunicativos

Entre três e quatro anos a criança  tem vontade de escrever e de comunicar-se com outros. Dessa forma tenta expressar pelo grafismo o que quer falar. Seu desenho aproxima-se da escrita, buscando símbolos. Encontra como paradigma a identificação pictórica, visual.  O traçado surge em forma de dentes de serra, que procura reproduzir a escrita dos adultos. O desenho busca o real.

 - desenha animais
 - Desenha pessoas
-Desenha sua  vida.

Dessa forma, o desenho atinge sua fase final.  Aos três anos a criança agrega uma nova característica a seus desenhos: eles tentam corresponder ao mundo que os rodeia.

E importante frisar que na composição das etapas do desenho, elas evoluem não superposição, substituindo a anterior, mas por agregação, isto é, no momento em que a criança desenha o real, este real representa algo, que pela fala pode ser identificado.

A composição do desenho é a composição da fala inconsciente. Nele, o material psicodinâmico se plasma, se adere.  Ao decifrar o desenho, decifra-se, como em um sonho, o desenhista. 

*Os desenhos foram colhidos por alunos em trabalhos no curso "Análise e Interpretação do desenho infantil" .

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Análise do desenho Infantil

“O desenho fala do sujeito, da sua subjetividade, da sua posição frente ao mundo”


Trabalhar com o desenho  é como trabalhar em um sonho. Nos dois temos :

1. O sujeito  “Livre” para dizer ou fazer o que quiser, o que o “condena” a revelar o seu desejo. O sonho realiza o desejo a fim de que sonha não acorde. O desenho realiza o desejo de quem o desenha, afim de que viva e não morra.
2. No desenho o desenhista não está preso ao tempo atual. Há liberdade de tempo, pois se desenha o passado, o presente e o futuro. Há plasticidade em lidar-se com o que se desenha.
3. Os desenhos não estão sob o crivo da moral. Mas existem, independente dos valolres da cultura na qual somos inseridos.Não há bons ou maus desenhos. Há desenhos.
4. O desenho permite a que o plamou dialogar sobre sua obra. Elocubrar, pensar sobre, mergulhar. É possível ao sujeito falar sobre sua produção sem censura, pudor, recalque ou medo.
O que Pode ser Projetado em um desenho?

O Significativo  - No desenho, o indivídiduo percebe de forma consciente  e inconsciente sobre si mesmo e sobre as pessoas significativas do seu ambiente.Ele pode perceber a relevância dos atores de seu mundo e como estes causam impacto em sua vivência.
A Atuação. A forma como agimos, atuamos e nos podicionamos diante do mundo são expressas pelo desenho. Somos protagonistas de nossa história. No entanto nos perdemos e não nos reconhecemso. Agimos sem perceber como agimos e quando no dizem, por ser invasiva a forma, recusamos, recalcamos, nos negamos a nós mesmo.

Os Conflitos. Os conflitos e sentimentos inconscientes com que lidamos no nosso cotidiano são reprisados e expressados no desenho. Muitas vezes queremos, mas dizemos não querer. Odiamos, mas dizemos amar. Desejamos, mas dizemos ser indiferentes. O desenho não mente, mas como um escape do inconsciente, contamos a verdade.

O indizível é dito. Coisas que o sujeito não seria capaz de expressar em palavras, mesmo que conscientes. Por medo, recalque.  Aquilo que não conseguimos significar por meio da fala, por meio do desenho se vai.
A realização de desejos.

A Auto-imagem idealizada ou realista de si mesmo. Quem sou eu? Essa pergunta é respondida por meio do real ou do ideal.

A sexualidade.Os conflçitos inerentes aos desejos intimos, obscuros à nossa consciencia são manifestados no desenho. O sexo, a libido, a plulsão. Tudo se escancara por meio de traços, cores e formas.

O “Stress” situacional.  O que vivemos no momento do desenho é plasmado. Denuncia um sofrimento, uma angústia, um desespero, uma alegria, uma excitação.

O que observar quando a criança desenha? Observar qual é a sua postura frente a essa atividade!

Ele se entrega confiante e confortavelmente a tarefa? Expressa dúvidas sobre sua habilidade e, nesse caso, expressa essas dúvidas direta ou indiretamente, verbalmente, ou através de atividade motora? Realiza movimentos, ou exibe expressões verbais que revelam insegurança, ansiedade, autocrítica etc.

A forma como ela se comporta diante a proposta será uma forma "in vitro" de verificar como ela lida com as propostas da vida. Como disse Freud, “O pensamento é a ação ensaiada”. Quando a criança pensa sobre o mundo, ela ensaia viver. A mão ´pe dupla, pois enquanto a criança se expressa pelo desenho, também pelo desenho pode ser tratada. 

Mas há limites a este ato!

A análise do desenho não deve ser vista isoladamente, e sim em conjunto com outras técnicas. Entender este método como uma receita de bolo pode  no conduzir a uma interpretação equivocada.

A análise de quem desenha deve ser feita por meio de outros desenhos, da história do sujeito e principalmente do que o sujeito fala acerca do mesmo. A fala de si é a bússula.

Interpretações são hipóteses e não certezas e não devem se basear em dados isolados ou no imaginário do profissional que o analisa. da mesma forma que a criança projeta ao desenhar, o analista projetará. E isso poderá comprometer a imparcialidade da análise ( se é que ela existe).O profissional deve ter o cuidado de não projetar no desenho analisado seus conteúdos.

O desenho deve ser analisado dentro de um contexto cultural e refere-se a um dado momento. Não há desenho da vida, mas do momento.

É necessário evitar generalizações, pois cada produção é única. Não somos seres padronizados e rotulados, mas únicos.

O Que se estuda em um desenho?

Fases do desenvolvimento - O desenho apresenta a fase de desenvolvimento do desenhista. Descobrimos o seu Cognitivo, psicomotor e sócio-afetivo expressos no ato de desenhar.

No desenho pode-se ver  na criança sua:

a) Percepção visual
b) Oralidade
c) Expressão
d) Reprodução
e) Criatividade
f) Traços da Subjetividade
g) Psicopatologia

Segundo Freud a projeção consiste em uma operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro (pessoa ou coisa) qualidades, sentimentos, desejos e mesmo objetos, que ele desdenha ou recusa em si.
Esse mesmo processo é o que rege os sonhos, o animismo, o pensamento mágico, bem como a produção artística, através do mecanismo de deslocamento.  (LAPLANCHE, p. 478)

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O adolescente ao ser convidado a expressar-se sobre sua vida familiar, desenhou uma casa sem porta ou janela. Usou a cor azul. Desenho no quadrante esquerdo-inferior. Reforçou a frente da casa.



 Um mês após começar a se escutado por uma equipe psicossocial  "plasmou" outro tipo de "foto" de sua realidade familiar. Usou o vermelho, construiu uma casa de dois andares  e colocou janelas. O telhado foi trabalhado. Sua vida familiar mudou!


 O desenho serviu para que a criança mostrasse onde o seu sofrimento estava localizado. Sua vida familiar não lhe permitia vivenciar experiências que desejava. Não havia motivação. Só tristeza e enclausuramento. O atendimento permitiu que falasse sobre seu sofrimento e proporcionou a possibilidade da casa voltar a ter a energia de que precisava. Sentia agora espaço para se permitir ver e ser visto!

Orlando Marçal Júnior em 27 de setembro de 2011.




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O que é desenhar

O que conhecemos do humano, ainda em sua pré-história, contém impressões de um ser que marca seu percurso por meio de uma inscrição. Antes do humano conseguir  significar rabiscos com o que originaria a escrita, inscreveu em pedras e cavernas expressões, impressões, cronicas...desenhou.


Mas o que é o desenho?

Desenhar é expressar! Expor-se! Projetar. Todo e qualquer ato externo do humano é um projetar-se, um "por para fora".




Mas para expressar, o humano precisa se introjetado.

Em sua formação, o homem inicia sua saga com um introjetar sem fim. Vazio, desestruturado e em formação, o humano precisa rechear-se daquilo que ainda não tem. Suas emoções, história, experiências, alimento de sua alma, paralelamente ao fato de alimentar seu corpo. O humano não nasce humano, mas introjeta sua humanidade a partir do que lhe é disponibilizado.


Para a psicanálise, este momento é chamado de FASE ORAL: Um momento do humano em que o ato de alimentar-se está vinculado à pulsão de sugar, trazer para dentro. Não há desenho! Apenas um desejo que  se realiza pelo "por para dentro".




Aos 18 meses o bebê começa a se expressar por meio do objeto. Sua simbiose com o seio, com a mãe, passa por um novo momento: Expressar-se! O bebê toma o lápis na mão e o risca em algo. Os movimentos são espasmos de músculos ansiosos por aprender, que encantam aquele que ainda não detém controle do que faz...mas aprende que pode fazer algo fora de si. 


 

A criança está se preparando para expressar-se, controlar o mundo que a cerca.  Uma nova fase se inicia. Dos 18 aos 36 meses ela descobrirá que o mundo que a cerca poder modificado, impactado, influenciado, prejudicado, afetado e melhorado por sua ATUAÇÃO!  A criança descobre que pode se fazer compreendida, ouvida! Nesse momento, descobre o lápis e a massinha. Surge a ARTE. Surge a Expressão, Surge a projeção de si no outro! RABISCOS.  Caminham do desordenado ao que é ordenado. Do involuntário ao proposital. Um história de rabiscos!


   

"O desenho é uma das manifestações semióticas, isto é, uma das formas  através das quais a função de  atribuição  da significação se expressa e se constrói. Desenvolve-se concomitantemente às outras manifestações, entre as quais o brinquedo e a linguagem verbal (PIAGET, 1973).  

O desenho, manifestação semiótica  que surge no período simbólico, evolui em conjunto com o desenvolvimento da cognição. Compartilha mais intimamente, por um lado, as fases da evolução da percepção e da imagem mental, subordinando-se às leis da conceituação e da percepção. Por outro lado, compartilha a plasticidade do brincar, constituindo-se em meio de expressão particular, isto é, “...um sistema de significantes construído por ela e dóceis às suas vontades” (PIAGET, 1973, p. 52).  

O desenho é precedido pela garatuja,  fase inicial do grafismo. Semelhantemente ao brincar, se caracteriza inicialmente pelo exercício da ação.  O desenho passa a ser conceituado como tal a partir do reconhecimento pela criança de um objeto no traçado que realizou. Nessa fase inicial, predomina no desenho a assimilação, isto é o objeto é modificado em função da significação que lhe é atribuída, de forma semelhante ao que ocorre com o brinquedo simbólico. Na continuidade do processo de desenvolvimento, o movimento de  acomodação vai prevalecendo, ou seja, vai havendo cada vez mais aproximação  ao real e preocupação com a semelhança ao objeto representado, direção que  pode ser vista também no jogo de regras (PIAGET, 1971; 1973).  

O desenho é a expressão do humano acerca de seu mundo, sua percepção. Ele revela a maturação interior e o contato exterior exercido de forma ambivalente entre o subjetivo e o objetivo.